Em um movimento que já provoca intenso debate interno e promete redesenhar os padrões de atuação da mais alta Corte do país, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, levou à mesa de discussões uma proposta inédita: a criação de um código de conduta exclusivo para ministros do STF e dos demais tribunais superiores. A iniciativa, inspirada no modelo vigente no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, reacendeu tensões históricas dentro do Supremo e colocou Fachin em rota de colisão direta com o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes — justamente um dos nomes mais influentes e vocalmente contrários à medida.
A proposta surge em um cenário de crescente escrutínio público sobre as atividades extrajudiciais de magistrados, especialmente sua participação em eventos privados, palestras patrocinadas, encontros fechados com empresários e autoridades, além de viagens custeadas por entidades externas. Nos últimos anos, esse tipo de agenda gerou críticas recorrentes e levantou dúvidas sobre possíveis conflitos de interesse e sobre a transparência da atuação dos integrantes da cúpula do Judiciário.
Um modelo importado da Alemanha
O texto apresentado por Fachin toma como base o rigoroso código ético adotado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, referência mundial em integridade institucional. Na Alemanha, magistrados são submetidos a regras claras sobre participação em eventos, recebimento de convites, relações com entidades privadas e até interações com autoridades políticas.
A ideia, segundo aliados de Fachin, é blindar a Corte de contestações externas, reduzir áreas cinzentas no comportamento dos ministros e fortalecer a credibilidade do Supremo em um momento de forte pressão institucional. A proposta, porém, mexe diretamente com hábitos já consolidados dentro do tribunal — e é justamente aí que começam as resistências.
A resistência interna liderada por Gilmar
Se há um nome dentro do STF conhecido por presença frequente em eventos externos, palestras e articulações políticas, esse nome é Gilmar Mendes. O decano da Corte se tornou, ao longo dos anos, uma figura de trânsito livre entre os mais variados setores: academia, empresários, associações, autoridades e organismos internacionais. Gilmar organiza, frequenta ou participa de eventos com grande regularidade, muitos deles envolvendo entidades privadas.
Segundo informações apuradas nos bastidores do Supremo, o ministro teria demonstrado desconforto imediato com a iniciativa de Fachin. Pessoas próximas afirmam que Gilmar vê o projeto como uma tentativa de “engessamento institucional”, capaz de limitar a liberdade de atuação e de expressão dos ministros. Seus críticos, porém, enxergam a reação como uma defesa direta de práticas que há muito levantam questionamentos dentro e fora da Corte.
Outros ministros com perfil garantista, conhecidos também por agenda externa extensa, teriam se alinhado às preocupações do decano. Embora a discussão ainda esteja em estágio preliminar, o ambiente interno já é descrito como “tenso”, com possibilidade de debates acalorados nas próximas semanas.
Lacunas na legislação motivam a proposta
Atualmente, o Código de Ética da Magistratura, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não se aplica nem ao STF nem aos demais tribunais superiores, como STJ, TSE, TST e STM. Na prática, isso significa que os magistrados da elite do Judiciário brasileiro atuam sem um marco normativo específico que regule sua conduta extrajudicial.
A proposta de Fachin, portanto, busca preencher essa lacuna — algo que especialistas consideram necessário, especialmente diante da crescente judicialização da política e do protagonismo cada vez maior da Corte em encaminhamentos que afetam diretamente a sociedade, o mercado e o ambiente institucional do país.
Uma medida em meio a questionamentos públicos
O debate sobre o novo código ocorre justamente em um período em que a atuação dos ministros fora do tribunal tem sido alvo de discussões e críticas constantes. Episódios recentes envolvendo viagens, encontros privados, participações em seminários financiados por grandes escritórios de advocacia e aproximações com figuras políticas consolidaram a percepção, entre parte da opinião pública, de que faltam limites claros para evitar conflitos de interesse.
Aliados de Fachin sustentam que a medida é preventiva: além de elevar padrões éticos, reduziria o desgaste institucional do próprio STF, frequentemente pressionado pela sociedade e monitorado de perto por outros Poderes.
O próximo capítulo
A proposta ainda será analisada pelos demais ministros e não há prazo definido para sua votação ou implementação. Nos bastidores, porém, já se admite que o debate será longo, delicado e politicamente carregado.
Enquanto Fachin defende que o Supremo precisa avançar rumo à transparência plena, Gilmar e parte da ala garantista parecem dispostos a resistir ao que consideram um movimento de cerceamento. O embate promete se intensificar — e pode se tornar mais um capítulo da disputa por protagonismo dentro da mais alta Corte do país.
Seja qual for o desfecho, uma coisa é certa: o STF está prestes a enfrentar uma das discussões internas mais relevantes dos últimos anos, com potencial para remodelar não apenas a atuação de seus ministros, mas também a imagem e o funcionamento institucional do próprio tribunal.
