O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta quinta-feira (4) o pedido de reconsideração apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) sobre sua decisão de alterar a interpretação da lei do impeachment. A medida definida pelo magistrado restringiu exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) a legitimidade para apresentar pedidos de destituição de ministros das Cortes Superiores — mudança que gerou forte repercussão no meio jurídico e político.
Segundo Gilmar Mendes, a solicitação feita pela AGU, comandada por Jorge Messias, é “incabível” dentro do sistema processual brasileiro. O ministro destacou que o chamado “pedido de reconsideração” não existe formalmente no ordenamento jurídico e, portanto, não pode produzir os efeitos típicos de recursos previstos em lei.
“Fica evidente que o ordenamento jurídico brasileiro não contempla o chamado pedido de reconsideração. Trata-se, na realidade, de expediente informal, destituído de previsão normativa e incapaz de gerar efeitos próprios dos recursos típicos, como a suspensão ou interrupção de prazos processuais, o impedimento da preclusão ou o dever jurídico de o magistrado reapreciar a decisão”, afirmou o decano.
A manifestação de Gilmar reforça seu entendimento de que apenas recursos expressamente previstos em lei possuem validade e podem obrigar uma nova análise do magistrado. Ele ressalta que “somente existem recursos quando expressamente previstos em lei, com estrutura, pressupostos e efeitos definidos pelo ordenamento”.
Críticas à mudança e defesa da urgência
A decisão original de Gilmar Mendes — que alterou a interpretação da lei do impeachment — provocou reações imediatas no mundo político. Críticos apontam que a medida reduziria o controle do Legislativo sobre o Judiciário, enquanto defensores alegam que ela protege a independência dos magistrados diante de possíveis perseguições políticas.
Em sua resposta à AGU, Gilmar reforçou que, na sua avaliação, a mudança é urgente para resguardar a independência judicial.
“Conforme pontifiquei em tal ato decisório, a submissão dos magistrados dos Tribunais Superiores a um regime de responsabilização incompatível com o texto constitucional representa um grave comprometimento da independência judicial, o que denota a extrema urgência de que se reveste a medida”, escreveu o ministro.
Gilmar ainda declarou que sua decisão cautelar “encontra fiel amparo na Constituição Federal” e é “indispensável para fazer cessar um estado de coisas manifestamente incompatível com o texto constitucional”.
Movimento da AGU e impacto político
O pedido de reconsideração encaminhado pela AGU foi interpretado nos bastidores como um movimento estratégico de Jorge Messias — indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar uma cadeira no STF. Messias depende dos votos dos senadores para ser aprovado na sabatina que definirá sua nomeação.
Ao se alinhar ao Senado em um tema que gerou forte reação na Casa, o advogado-geral da União buscou demonstrar sensibilidade às críticas do Legislativo no momento em que sua aprovação está em jogo.
Senado reage: “grave ofensa constitucional”
A decisão de Gilmar Mendes também acendeu um alerta no Senado Federal. Durante sessão no plenário, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil–AP), fez um pronunciamento duro contra a medida.
Alcolumbre afirmou que a decisão “tenta usurpar as prerrogativas do poder Legislativo” e sinalizou que eventual judicialização de competências pode afrontar a separação dos poderes.
“Manifesto que esta presidência recebe com muita preocupação o conteúdo da decisão monocrática da lavra do ministro Gilmar Mendes. Eventuais abusos no uso desse direito não podem levar à anulação desse comando legal. Muito menos, repito, muito menos, por meio de uma decisão judicial”, disse o senador.
Segundo Alcolumbre, somente uma mudança legislativa poderia revisar o que está previsto na lei do impeachment. “Somente uma alteração legislativa seria capaz de rever os conceitos puramente legais, sob pena de grave ofensa constitucional à separação dos poderes”, afirmou.
Clima de tensão institucional
A negativa de Gilmar Mendes ocorre em um contexto de crescente tensão entre os Poderes. A mudança na lei do impeachment, anunciada de forma monocrática, inflamou parlamentares que já demonstram descontentamento com decisões recentes do Supremo.
Analistas políticos avaliam que a reação do Senado, somada à movimentação da AGU, indica a formação de um ambiente sensível que envolve interesses do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário — especialmente com a iminente sabatina de Jorge Messias.
Enquanto isso, a decisão de Gilmar continua válida e reforça o entendimento do ministro de que a independência judicial deve ser preservada, ainda que isso implique reduzir instrumentos de controle político sobre integrantes das Cortes Superiores.
A controvérsia, porém, está longe de terminar. No Congresso, parlamentares articulam respostas legislativas, enquanto juristas discutem os limites da decisão e seus impactos para o equilíbrio entre os poderes. A disputa promete permanecer no centro do debate nacional.
