A quarta-feira (3) foi marcada por um movimento político capaz de redefinir, de forma profunda, a relação entre o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio equilíbrio entre os Poderes. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tem como objetivo tornar obrigatória a abertura de processos de impeachment contra ministros do STF quando o pedido for apresentado com o apoio de, no mínimo, três quintos dos senadores — atualmente, isso significa 49 assinaturas.
A iniciativa de Nikolas não apenas confronta a posição política do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, mas também contraria diretamente uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, que havia reforçado a prerrogativa do presidente da Casa em decidir monocraticamente sobre o recebimento ou não de pedidos dessa natureza. A PEC, em essência, retira o poder de veto individual e transforma o processo de impeachment em um mecanismo imune a intervenções judiciais e a decisões unilaterais da Mesa Diretora do Senado.
O ponto central da PEC: “recebimento automático”
O texto apresentado por Nikolas Ferreira é claro, direto e, como muitos parlamentares afirmam, “fulminante”:
“Se o pedido de impeachment for apresentado com assinatura de pelo menos 3/5 dos Senadores, o recebimento será automático, obrigando a instauração do processo.”
A proposta reafirma ainda o direito de qualquer cidadão protocolar denúncias contra ministros do STF — um dispositivo que existe hoje, mas que, na prática, depende integralmente da vontade política do presidente do Senado.
Outro ponto decisivo da PEC é a proibição explícita de interferências judiciais durante o andamento desses processos, blindando o rito contra decisões monocráticas que possam suspender, adiar ou anular sua tramitação.
O estopim: a recusa de Alcolumbre no caso Moraes
A iniciativa de Nikolas Ferreira chega meses após um episódio que provocou indignação generalizada no meio político: em agosto, Alcolumbre se recusou a abrir processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, mesmo após o pedido ter reunido 41 assinaturas — número expressivo, mas ainda insuficiente para atingir o novo patamar exigido pela PEC.
Na época, Alcolumbre declarou publicamente que não aceitaria nenhum pedido de impeachment contra ministros do STF, “nem se tivesse as assinaturas dos 81 senadores”. A fala foi interpretada como uma afronta à própria função institucional do Senado, que historicamente detém a competência exclusiva para julgar ministros da Suprema Corte.
Para muitos parlamentares, a declaração de Alcolumbre sacramentou a necessidade de um mecanismo constitucional que retire o poder absoluto da presidência da Casa sobre o processo — algo que Nikolas Ferreira agora tenta materializar.
A reação ao Supremo e a disputa pelo protagonismo
O texto da PEC afirma que a proposta busca “restabelecer o caráter republicano do impeachment” e “impedir interferências indevidas do Poder Judiciário”. Além disso, reforça que o impeachment de ministros é de natureza político-institucional, cabendo exclusivamente ao Senado, “sem qualquer forma de controle judicial prévio ou posterior, exceto para garantir a defesa do acusado”.
O ponto mais sensível da proposta, porém, não é apenas o alcance jurídico, mas o efeito político direto: a PEC atinge em cheio a postura recente de ministros que, segundo os autores, teriam extrapolado sua competência ao intervir no funcionamento do Senado — seja limitando decisões internas, seja interferindo em ritos de impeachment.
O pano de fundo: mais de 29 pedidos contra Moraes
Segundo dados atualizados até julho de 2025, existem 29 pedidos de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, todos parados na presidência do Senado. A PEC de Nikolas é vista por muitos como a resposta institucional de um Parlamento que, após anos de tensão com o STF, busca recuperar parte de sua autoridade.
Aliados do deputado afirmam que a proposta tem forte potencial de crescimento na Câmara e no Senado, especialmente entre parlamentares que veem na medida uma maneira de conter avanços considerados abusivos do Judiciário e reequilibrar a relação entre os Poderes.
Um “componente que muda a regra do jogo”
No ambiente político, cresce a percepção de que a PEC de Nikolas Ferreira representa um divisor de águas. Se aprovada, transformará o Senado em um órgão com poder real e não apenas simbólico na fiscalização do STF — algo que muitos juristas afirmam estar previsto na Constituição, mas que, na prática, nunca se consolidou.
A medida coloca pressão direta sobre Alcolumbre, tensiona a relação com ministros da Suprema Corte e abre um novo capítulo na disputa pelo controle institucional do país. Para seus defensores, trata-se de uma correção histórica. Para seus críticos, uma ameaça à estabilidade.
Mas uma coisa é certa: o xadrez político de Brasília mudou de forma abrupta — e Nikolas Ferreira acaba de mover uma peça que ninguém esperava ver avançar tão rápido.
