Em mais uma fala que rapidamente repercutiu no meio jurídico, político e nas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes afirmou nesta terça-feira (2) que o Poder Judiciário brasileiro “vive sob ataque” porque, segundo ele, “não há no mundo um Poder Judiciário tão forte quanto o Poder Judiciário no Brasil”. A declaração foi feita durante o 19º Encontro Nacional do Poder Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em um momento no qual o país presencia tensões crescentes entre Judiciário, Congresso e parte expressiva da sociedade.
A fala de Moraes — dada com ênfase e acompanhada de uma defesa enfática da atuação judicial nos últimos anos — ganhou destaque não apenas pelo conteúdo, mas pelo contexto em que foi proferida: um período marcado por questionamentos sobre decisões que muitos consideram extrapolar a fronteira da legalidade, do devido processo e do equilíbrio entre os Poderes.
“Judiciário vive sob ataque”, diz Moraes
No evento, o ministro buscou apresentar o Judiciário como uma instituição moderna, robusta e essencial para o funcionamento do país. Moraes destacou que o Brasil possui quase 19 mil juízes e juízas, distribuídos entre Justiça Federal, Estadual, Eleitoral, Trabalhista e Militar, o que, segundo ele, revelaria a grandiosidade e a relevância do sistema.
Para Moraes, essa força institucional teria provocado reações negativas de diversos setores.
“Isso não passou despercebido de outros grupos de influência, de outros grupos econômicos, de outros grupos políticos”, declarou.
A declaração foi acompanhada de uma narrativa segundo a qual o Judiciário seria alvo de uma campanha massiva de desinformação financiada ao longo de mais de uma década.
“Mais de dez anos de muito dinheiro financiando desinformação”
Ao tratar das redes sociais, Moraes insistiu na tese de que existe um esforço coordenado para deslegitimar o Judiciário, comparando o fenômeno brasileiro com movimentos semelhantes no exterior, mas acrescentando que aqui o ataque teria sido mais forte justamente porque, em suas palavras, o Judiciário brasileiro possui uma força sem paralelos no mundo.
“É inegável a tentativa de deslegitimar o Poder Judiciário. Não foi só em relação à Justiça Eleitoral, foi em relação a todo o Judiciário. Isso não só no Brasil, mas no mundo todo. Mas por que no Brasil isso foi mais forte? Porque o Poder Judiciário no Brasil é mais forte”, afirmou.
Para o ministro, essa suposta ofensiva exigiria do Judiciário respostas firmes, com foco, prioridades claras e abertura para ouvir críticas que, segundo ele, podem eventualmente ser legítimas.
Interpretações e reações: quando “força” vira “arbitrariedade”?
As declarações de Moraes, porém, foram imediatamente recebidas com desconfiança e críticas por amplos setores da sociedade, especialmente aqueles que vêm denunciando o que consideram o ativismo judicial mais intenso da história do país.
Críticos afirmam que Moraes, ao falar de “força”, parece desconsiderar o princípio da separação de Poderes e a própria noção de que Judiciário não deve ser medido por poder, mas por equilíbrio, imparcialidade e limites constitucionais. Para esses analistas, a fala do ministro parece confundir robustez institucional com centralização excessiva de decisões e intervenções cada vez mais profundas na esfera política, social e até individual.
O comentário irônico que circulou após o evento sintetiza esse sentimento:
“Moraes parece confundir arbitrariedade com força. Sim, talvez o Judiciário do Brasil seja atualmente o mais ‘arbitrário’ do mundo.”
Essa interpretação reflete a percepção de que, nos últimos anos, o Judiciário — e especialmente o Supremo Tribunal Federal — acumulou um poder inédito, interferindo em processos eleitorais, determinando prisões controversas, aplicando multas milionárias e tomando para si responsabilidades antes reservadas ao Executivo ou ao Legislativo.
O Judiciário sob holofotes
A fala de Moraes ocorre em meio a uma série de episódios que têm ampliado ainda mais o desgaste entre instituições. Ações consideradas invasivas, investigações sigilosas, decisões monocráticas de grande impacto e operações que atingem adversários políticos do governo atual alimentaram um clima de tensão que já se arrasta por anos.
Especialistas independentes afirmam que, embora ataques infundados ao Judiciário sejam reprováveis, não se pode ignorar que existe uma crítica legítima sobre falta de limites claros, falta de autocontenção e ausência de mecanismos eficazes de controle interno.
Nesse cenário, o pronunciamento de Moraes, longe de acalmar ânimos, acaba por acentuar uma divisão: de um lado, um Judiciário que se vê como guardião máximo da democracia; de outro, parcela expressiva da sociedade que enxerga na atuação judicial não força institucional, mas poder concentrado demais, exercido sem freios e sem contrapontos.
Se havia intenção de fortalecer a imagem do Judiciário, o discurso de Moraes teve efeito contrário em diversos setores, reforçando a percepção de que a corte mais alta do país vive isolada em sua própria narrativa — e cada vez mais distante do sentimento popular.
