“Zero multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero”


 O renomado jurista Ives Gandra Martins publicou recentemente um artigo contundente em que questiona o indiciamento de 37 pessoas acusadas de envolvimento em um suposto "plano de golpe" no Brasil. A análise de Gandra traz reflexões sobre os limites legais das acusações e a ausência de elementos que sustentem a gravidade atribuída ao caso pelas autoridades.

No texto, o jurista inicia reiterando sua posição contra qualquer forma de violência ou ameaça à democracia. Para ele, o uso da palavra, e não da força, deve ser a única ferramenta legítima nas disputas democráticas. "O assassinato de políticos eminentes e de membros do Poder Judiciário não engrandece a democracia; ao contrário, empobrece", escreveu, enfatizando que atos de violência contra representantes públicos devem ser repudiados por todos os que valorizam o regime democrático.


No entanto, ao comentar o inquérito que resultou nos indiciamentos, Gandra levanta sérias dúvidas sobre a fundamentação jurídica do caso. Ele destaca que os crimes de "abolição violenta do Estado Democrático de Direito" e "golpe de Estado" previstos no Código Penal exigem, necessariamente, o uso de violência ou grave ameaça para sua caracterização. Segundo ele, o que foi apresentado até o momento não configura nem mesmo uma tentativa desses crimes. "A polícia afirma que os atos foram apenas imaginados e pensados, mas não houve tentativa. Mesmo que algo tivesse ocorrido, não haveria possibilidade nenhuma da nossa democracia desaparecer", afirmou o jurista, baseando-se em sua experiência de mais de três décadas como professor da Escola do Comando de Estado-Maior do Exército.


A argumentação de Gandra também relembra suas declarações feitas entre agosto e novembro de 2022, quando rejeitou veementemente a possibilidade de um golpe de Estado no país. Ele reforçou que, sem o apoio das Forças Armadas, um golpe seria inviável, mesmo que houvesse alguma cogitação nesse sentido. Para ele, a probabilidade de tal cenário se concretizar é inexistente. "Essa probabilidade é 'zero multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero'", declarou, ironizando o que considera uma especulação infundada.


Outro ponto levantado pelo jurista é a dificuldade enfrentada pelos advogados dos acusados para acessar as informações do processo. Segundo ele, a falta de transparência e o sigilo excessivo em relação às provas colocam em xeque a legitimidade das acusações. Além disso, ele observa que as informações divulgadas pela imprensa até o momento são baseadas em trechos de diálogos e notícias que não apresentam evidências concretas de um plano efetivo ou da execução de atos que colocassem em risco a democracia.


Para Gandra, é essencial que o debate público e jurídico seja baseado em fatos e não em suposições ou narrativas alarmistas. Ele conclui seu artigo reafirmando que a democracia brasileira, apesar de seus desafios, é sólida e não pode ser abalada por conjecturas ou ações isoladas que não encontram respaldo na realidade ou no ordenamento jurídico.


O artigo provocou grande repercussão no meio jurídico e político. Enquanto alguns elogiaram a lucidez do jurista e sua defesa das garantias legais, outros criticaram sua posição, alegando que as investigações são necessárias para prevenir qualquer ameaça, mesmo que hipotética. Contudo, a análise de Ives Gandra Martins reforça a importância de se respeitar os limites da lei e de garantir que acusações tão graves sejam fundamentadas em evidências robustas, para não comprometer os próprios princípios democráticos que se busca proteger.

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