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 Em linha com os discursos mais recentes do presidente, o texto da legenda se refere ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como “golpe” e chama de “quadrilha” os antigos procuradores da Operação Lava Jato e o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR), além de defender a revisão da autonomia do Banco Central, da taxa de juros e das metas de inflação.

A versão distorcida dos fatos causou desconforto e irritação no MDB, um dos mais importantes aliados de Lula na etapa final da eleição.

– Triste o PT, um partido importante, em um documento da sigla, resolver espalhar fake news – afirmou ao Estadão o presidente da legenda, Baleia Rossi.

Quando o cenário eleitoral era incerto e os conservadores escalavam o discurso contra a falta de segurança nas urnas eletrônicas, o comitê de Lula reuniu um arco de apoios em segmentos políticos desalinhados com o PT, como João Amoêdo (ex-presidente do Novo) e Arminio Fraga, tucanos históricos e ex-rivais dos petistas na centro-esquerda.

– Falar em golpe é estultice. Lula não pode fazer dessa resolução do PT uma resolução sua. Ele está governando com o apoio de vários líderes que apoiaram o impeachment de Dilma. O voto nele foi pela democracia, e a democracia não pode viver em permanente fratura – disse o presidente do Cidadania, Roberto Freire.

Dilma sofreu impeachment em 2016 por promover as chamadas pedaladas fiscais. A prática consiste em manobra fiscal a fim de permitir ao governo cumprir as metas fiscais, ou seja, indicando falsamente haver equilíbrio entre gastos e despesas nas contas públicas.

A resolução petista ainda ignora os escândalos que marcaram as gestões do partido, em especial o mensalão e a corrupção na Petrobras. Neste último caso, investigado como parte da Lava Jato, foi revelado esquema que envolvia licitações fraudulentas com empreiteiras e pagamento de propina. Oficialmente, a Petrobras divulgou rombo de R$ 6,2 bilhões em seu balanço em 2015.

“SEM ANISTIA”

O documento também aponta para os militares e responsabiliza o governo Bolsonaro por provocar onda de “violência, ódio, intolerância e discriminação” na sociedade. E fala em “seguir na luta pela culpabilização e punição de todos os envolvidos, inclusive os militares”. O texto afirma que “a palavra de ordem ‘sem anistia’ deve ser um imperativo do partido para culpabilizar os responsáveis e exigir que Bolsonaro e seus cúmplices respondam pelos seus crimes”.

Ao fim de reuniões do Diretório Nacional, a sigla costuma divulgar resoluções como uma espécie de “guia” para filiados e manifesto à sociedade. O documento divulgado nesta quinta é o primeiro depois da posse de Lula para o terceiro mandato.

– Depois do 8 de janeiro, Lula podia ter adotado discurso mais pacificador e tentar atrair setores que votaram em Bolsonaro. Deveria olhar menos para o retrovisor. O revanchismo não é o caminho – disse o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto, que integrou a coordenação da campanha presidencial de Simone Tebet (MDB), atual ministra do Planejamento, no primeiro turno e foi colaborador da equipe de transição após o pleito.

Um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., que apoiou Lula no segundo turno, também vê o petista governando com o retrovisor.

– O PT entrou com mais de 50 pedidos de impeachment contra Fernando Henrique Cardoso – observou. Para ele, o discurso dos petistas é “esquizofrênico e sem pé na realidade”.

– Querem reconstruir o passado.

Ex-ministro das Relações Exteriores no governo Michel Temer (MDB), o tucano Aloysio Nunes Ferreira, que apoiou Lula desde o primeiro turno, seguiu na mesma linha.

– Lula discursou perante a direção de um partido que ele lidera, que tem sua cultura, seu programa e uma visão própria dos fatos políticos que não coincidem em todos os pontos com os demais componentes da frente que o elegeu e com quem ele pretende governar. A diversidade pode ser sua força, desde que possamos o quanto antes estabelecer um programa comum que balize sua atuação no governo e no Congresso – disse Aloysio.

– Todo mundo faz autocrítica no seu dia a dia. É preciso aprender com erros do passado para construir um futuro mais tranquilo. O PT pulou essa parte. O partido precisa calçar as sandálias da humildade – disse o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).

“PASSADO”

Sensação crescente entre aliados recentes do petismo é a de que presidente e partido vivem uma irrealidade e ainda não se preocuparam com o exercício do governo. Lula tem feito discursos e concedido entrevistas direcionadas a um setor “convertido” da sociedade, seus próprios apoiadores. Nesta quinta-feira, em entrevista à CNN Brasil, ele endossou a necessidade de uma nova narrativa do PT e chegou a dizer que deu uma “surra” em Bolsonaro na eleição, embora tenha vencido a disputa por menos de 2% dos votos.

Para a especialista em estratégias para campanhas eleitorais e CEO do instituto de pesquisa Ideia, Cila Schulman, as falas do petista não contribuem para a construção de uma imagem positiva do governo e são danosas por não dialogarem com “problemas reais” do país.

– O eleitor não está de olho no retrovisor da Lava Jato ou do impeachment, ele está interessado na resolução de problemas atuais e que o preocupam, como inflação, educação, saúde, emprego. As pautas do passado não estão no radar do brasileiro – afirmou.

O sociólogo José Carlos Martins, um dos idealizadores do grupo Derrubando Muros, que reuniu diversos segmentos em oposição a Bolsonaro nas eleições, classificou como “atabalhoados” e “intempestivos” os recentes discursos de Lula e resumiu o sentimento do centro político.

– Lula escolheu um time bom nas atividades fundamentais, como Justiça, Saúde, Educação e Meio Ambiente, mas não está tratando com carinho a aliança feita em torno do nome dele – pontuou.