Maduro canta “Imagine” em apelo de paz aos EUA e tenta amenizar tensão crescente com Washington
Em um gesto tão simbólico quanto inusitado, o líder venezuelano Nicolás Maduro voltou a recorrer ao discurso pacifista para tentar desarmar o clima de tensão com os Estados Unidos. Durante um evento político neste sábado (15), em Miranda, o chefe do regime chavista subiu ao palco diante de milhares de apoiadores e entoou trechos de Imagine, clássico de John Lennon e Yoko Ono, eternizado na década de 1970 como um hino global pela paz.
O momento ocorreu enquanto Maduro empossava novos comitês de base bolivarianos, estrutura fundamental para mobilização política do chavismo. Em meio a discursos inflamados, o venezuelano pediu “paz, paz, paz” e, em seguida, chamou o ministro da Comunicação, Alfred Nazareth, para lembrar a letra da música. “Como dizia John Lennon… Alfred, como era mesmo? ‘Imaginem todas as pessoas…’”, declarou, antes de cantar o refrão acompanhado por simpatizantes e autoridades de governo, que faziam o gesto de paz com as mãos.
A cena, carregada de simbolismo, teve como trilha sonora não apenas a gravação original, tocada em alto volume pelos alto-falantes, mas também os aplausos e gritos de apoio dos presentes. Nas redes sociais venezuelanas, o episódio rapidamente viralizou, dividindo a opinião pública e reacendendo o debate sobre o uso político de símbolos culturais universalmente associados à paz e à democracia.
Um apelo que ecoa a década de 1970
Imagine, lançada em 1971, é considerada uma das músicas mais emblemáticas do século XX. Criada por John Lennon e Yoko Ono, a obra propõe imaginar um mundo sem fronteiras, guerras, ganância ou desigualdade, destacando valores humanitários universais. Em um de seus trechos, Lennon canta: “Imagine que não existem países… nada pelo que matar ou morrer”. Em outro, reforça a utopia idealista: “Imagine não ter posses… sem necessidade de ganância ou fome”.
Ao recorrer a esse símbolo cultural, Maduro tenta projetar uma imagem de líder pacifista justamente no momento em que seu governo enfrenta crescente pressão internacional. Críticos, porém, apontam a contradição entre a mensagem da música e o histórico autoritário do regime, marcado por denúncias de perseguição a opositores, prisões políticas e repressão a protestos.
Tensão com os EUA cresce no Caribe
O apelo musical de Maduro ocorre em meio a um aumento significativo das tensões entre Caracas e Washington. Nos últimos meses, o governo dos Estados Unidos tem reforçado sua presença militar no Caribe, alegando combater o narcotráfico internacional. A Venezuela, porém, vê as manobras como uma ameaça direta à soberania do país.
O clima piorou ainda mais quando Trinidad e Tobago — país vizinho e historicamente alinhado à Venezuela em questões regionais — anunciou exercícios militares conjuntos com os norte-americanos a partir deste domingo (16). Para Maduro, essa movimentação é parte de um suposto plano para fragilizar e, eventualmente, derrubar seu governo.
“Essas operações não são o que dizem ser”, afirmou o líder venezuelano durante o comício. “Elas representam uma tentativa secreta de desestabilizar a Venezuela e abrir caminho para uma intervenção disfarçada”, completou, denunciando o que chamou de “agressão imperialista”.
Maduro reforça discurso anti-intervenção
O presidente venezuelano já havia pedido publicamente, em outras ocasiões, que os Estados Unidos “cessem as guerras e intervenções externas”. Em setembro, ele enviou uma mensagem ao então presidente americano, Donald Trump, pedindo diálogo e respeito à soberania latino-americana.
Agora, porém, o apelo ganha nova dimensão, especialmente pelo uso de uma mensagem tão poderosa quanto a de Lennon — um artista admirado globalmente, cuja obra sempre foi associada à resistência pacífica e aos direitos humanos.
Para especialistas, a escolha da música não foi acidental. Em um momento de fragilidade econômica interna, agravada por sanções internacionais e isolamento diplomático, Maduro tenta se colocar como vítima de uma ameaça externa, reposicionando o discurso chavista tradicional.
Repercussão internacional
A apresentação de Maduro provocou reações imediatas. Analistas políticos destacaram que o gesto busca atrair atenção da comunidade internacional e reforçar a narrativa de que a Venezuela estaria sob risco iminente de intervenção militar americana. Já opositores internos criticaram o ato, chamando-o de “teatral” e “desconectado da realidade de crise que o país enfrenta”.
Apesar das críticas, o vídeo continua circulando amplamente e deve ganhar espaço nos debates políticos da região, especialmente considerando o momento sensível das relações entre Caracas e Washington.
O apelo musical de Maduro, embora carregado de simbolismo pacifista, também escancara o quanto o cenário geopolítico no Caribe está tensionado. Enquanto a Venezuela tenta reforçar sua retórica de defesa e buscar apoio internacional, os Estados Unidos seguem ampliando operações militares na região. Em meio a esse tabuleiro complexo, resta saber se o canto de Imagine será lembrado como um gesto sincero de paz ou apenas mais um capítulo na longa disputa narrativa entre os dois países.
