A mais recente decisão do ministro Gilmar Mendes reacendeu um debate que muitos consideravam superado, mas que volta à cena com força: a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal por meio de decisões monocráticas que impactam diretamente outros Poderes da República. Em meio à repercussão, críticos resgataram declarações contundentes dadas pelo próprio Gilmar em 2016, quando classificou como “indecente” e até possível caso de “inimputabilidade” ou “impeachment” a decisão do ministro Marco Aurélio Mello de afastar o então presidente do Senado, Renan Calheiros.
Agora, em 2025, ironicamente, é Gilmar Mendes quem se encontra no centro de acusações semelhantes, após proferir uma decisão considerada por parlamentares, juristas e comentaristas políticos como uma afronta às prerrogativas do Congresso Nacional — exatamente o tipo de ação que ele próprio condenou com severidade no passado.
A lembrança do caso Marco Aurélio x Renan Calheiros
O episódio lembrado pelos críticos ocorreu em dezembro de 2016. Na ocasião, Marco Aurélio Mello, em decisão monocrática, determinou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. A medida foi amplamente questionada por interferir diretamente na chefia de um outro Poder, acendendo uma crise institucional.
O Senado Federal, amparado por seus advogados e respaldado por precedentes do STF, simplesmente ignorou a decisão. Parlamentares citaram o entendimento consagrado no Habeas Corpus 73.454, relatado pelo ministro Maurício Corrêa:
“Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito.”
Na época, Gilmar Mendes, conhecido por seu estilo direto e sem rodeios, não economizou críticas ao colega. Em declaração reproduzida amplamente na imprensa, ele afirmou que o caso poderia configurar “reconhecimento de inimputabilidade ou de impeachment de Marco Aurélio”.
Mas Gilmar foi além.
Em conversas internas e públicas, o ministro afirmou que “não se afasta o presidente de um poder por iniciativa individual”, classificou a decisão como “indecente” e sugeriu que o STF precisaria derrubá-la para “restaurar a decência”. Em uma das frases mais lembradas, comentou:
“No Nordeste se diz que não se corre atrás de doido porque não se sabe para onde ele vai.”
O giro de 180°: quando o acusador se torna acusado
Os críticos de Gilmar afirmam que “onde há a mesma razão, deve haver a mesma disposição”. Ou seja, se em 2016 ele considerava impeachment uma resposta proporcional a uma ação monocrática que interferia em outro Poder, o que deveria ocorrer agora — quando é ele quem profere decisão semelhante?
A tese de seus opositores é clara: Gilmar, ao tomar uma decisão descrita como “inconstitucional” e “esdrúxula”, teria invadido prerrogativas exclusivas do Congresso, repetindo exatamente aquilo que condenou com tanta veemência quando foi praticado por Marco Aurélio.
Para muitos juristas e comentaristas, a situação desperta uma contradição profunda no discurso do ministro. Ele, que antes se levantava contra iniciativas individuais de colegas, agora protagoniza o mesmo tipo de movimentação — desta vez, sem que o Congresso demonstre qualquer reação concreta, sendo constantemente acusado de omissão desde 2019.
Os críticos sustentam que a complacência atual do Legislativo apenas agrava o problema, pois normaliza interferências consideradas indevidas do Judiciário sobre assuntos internos do Parlamento.
O debate sobre impeachment e inimputabilidade reaparece
A matéria publicada pelo Jornal da Cidade Online retoma literalmente a fala de Gilmar sobre Marco Aurélio e a aplica ao próprio ministro:
- Se afastar o presidente de outro Poder por decisão individual é motivo para impeachment…
- Se interferir em prerrogativas exclusivas do Congresso é ato “indecente”…
- E se decisões monocráticas que alteram o equilíbrio entre Poderes demonstram descontrole ou “inimputabilidade”…
… então, afirmam seus críticos, Gilmar Mendes estaria agora enquadrado no mesmo critério que ele próprio utilizou publicamente contra Marco Aurélio.
Embora a discussão sobre impeachment de ministro do STF seja uma pauta recorrente em círculos políticos — e que nas últimas décadas nunca prosperou no Senado — o fato de Gilmar ser confrontado com suas próprias palavras cria um constrangimento político e jurídico difícil de ignorar.
Um cenário que revela a crise entre os Poderes
O ressurgimento dessas declarações e a nova polêmica envolvendo Gilmar Mendes expõem uma crise institucional que se prolonga há anos no Brasil: ministros do STF tomando decisões individuais com forte impacto político; o Congresso frequentemente inerte; e a opinião pública dividida entre críticas ao ativismo judicial e exigências por maior controle das autoridades.
Esta situação, dizem analistas, demonstra que o país vive um momento de profunda tensão entre os Poderes, onde decisões judiciais assumem peso político e repercussão nacional, enquanto parlamentares hesitam em exercer suas prerrogativas constitucionais.
Seja qual for o desfecho, o episódio reacende um debate incômodo: quando um ministro do Supremo ultrapassa limites?
E, principalmente: quem deve — e quem teria coragem de — reagir quando isso acontece?
