Nunes Marques e André Mendonça enfrentam Moraes e abrem nova fissura no STF ao contestar condenação de manifestante do 8 de Janeiro
Uma divergência ferrenha marcou o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo Renato Marchesini Figueiredo, manifestante detido em frente ao Quartel-General do Exército um dia após os atos de vandalismo ocorridos em Brasília, em 8 de janeiro. A decisão, relatada por Alexandre de Moraes, acabou formando maioria pela condenação do réu. No entanto, os votos contrários dos ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça reacenderam a tensão interna na Corte e expuseram, mais uma vez, a profunda divisão em torno dos processos relacionados aos eventos que abalaram o país.
O caso de Marchesini, ainda que individual, tornou-se simbólico por ter revelado um embate direto entre três ministros que hoje representam interpretações bastante distintas sobre os limites da jurisdição do STF, o alcance da responsabilização dos acusados e a necessidade de individualização das condutas. Em plenário, Nunes Marques protagonizou o ponto mais contundente da divergência ao sustentar que não havia razão jurídica para o Supremo manter a ação sob sua competência.
Segundo o ministro, o STF “não pode se arvorar de juízo universal” sobre todos os acontecimentos relacionados ao 8 de Janeiro. Ele reforçou que não existia nenhuma conexão entre Marchesini e autoridades com prerrogativa de foro — condição indispensável para justificar que o caso ficasse sob análise da Corte. Além disso, destacou a “grande rotatividade” de pessoas no acampamento montado em frente ao QG do Exército, indicando que muitos “apenas pernoitavam” no local, sem necessariamente integrar qualquer tipo de organização criminosa.
Na avaliação de Nunes Marques, esses elementos impedem o enquadramento penal de associação criminosa, assim como tornam frágil a acusação de incitação. O ministro votou pela absolvição total do réu, argumentando que não era possível “condenar alguém por mera presença física” em um ambiente onde havia inúmeras motivações, comportamentos e níveis de participação.
O voto divergente de André Mendonça reforçou a crítica à denúncia apresentada pelo Ministério Público. Para ele, a acusação era genérica e não individualizava de forma adequada as condutas atribuídas a Marchesini. Mendonça afirmou que “o nível de evidência probatória necessário para a condenação não foi alcançado”, citando doutrina penal que determina que, em casos duvidosos, o erro deve ser distribuído sempre em favor do acusado. O ministro destacou que não havia provas suficientes para sustentar que Marchesini tivesse atuado de maneira consciente e efetiva na organização de um movimento que visasse a abolição do Estado Democrático de Direito.
Em contrapartida, Alexandre de Moraes, relator do processo, destacou em seu voto vencedor que o réu aderiu de forma “consciente e voluntária” às finalidades do acampamento. Para Moraes, o local funcionava como uma associação “estavelmente organizada”, cujo objetivo era fomentar animosidade das Forças Armadas contra os Poderes instituídos e buscar meios de questionar o resultado das eleições. O ministro citou ainda a permanência de Marchesini no acampamento após os atos do dia 8 de janeiro, reforçando que sua presença posterior indicaria concordância com as ações cometidas.
O ministro descreveu Marchesini como alguém que não apenas esteve fisicamente no local, mas que compartilhava das finalidades do grupo e contribuía para a manutenção do ambiente hostil ao Estado Democrático de Direito. Assim, formou-se maioria no STF pela condenação, acompanhando Moraes os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Edson Fachin, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
A pena imposta ao réu foi de um ano de reclusão, substituída por 225 horas de serviços comunitários, além de um curso presencial de 12 horas sobre democracia e golpe de Estado. Marchesini também ficará proibido de deixar sua comarca, acessar redes sociais e deverá manter suspenso seu passaporte. A sentença prevê ainda eventual revogação de porte de arma e a aplicação de 20 dias-multa.
Além disso, o réu foi condenado a pagar, de forma solidária com outros envolvidos nos atos de janeiro, R$ 5 milhões em indenização por danos morais coletivos. O valor, considerado expressivo, refletiria — segundo a decisão majoritária — a necessidade de reparação pelos prejuízos e pela afronta às instituições democráticas.
O embate entre Moraes, Nunes Marques e Mendonça reforça um movimento crescente de divergências internas no STF, especialmente em temas sensíveis ligados ao 8 de Janeiro. Enquanto a maioria da Corte tem atuado de forma rigorosa, dois ministros insistem na necessidade de cautela, respeito estrito às tipificações penais e às garantias individuais.
Com um Judiciário cada vez mais pressionado pelos setores políticos e pela sociedade, decisões polarizadas como esta tendem a se repetir — e, ao que tudo indica, continuarão a moldar o debate sobre os limites da atuação do Supremo na crise institucional mais grave da história recente do País.
