O Partido Liberal (PL) voltou a colocar em marcha uma estratégia para tentar pautar o projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro, mesmo diante da resistência do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). A articulação, que vem sendo amadurecida há semanas, aposta em uma possível ausência de Motta do país para que o vice-presidente da Casa, Altineu Côrtes (PL-RJ), assuma interinamente o comando da Câmara e leve o tema à votação — uma promessa antiga do deputado fluminense aos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo informações apuradas pelo Metrópoles, a ofensiva do PL não é recente. Na última viagem de Hugo Motta, quando o parlamentar esteve em Belém (PA) para participar da COP30, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, aproveitou o momento para pressionar Altineu Côrtes. Em ligação direta, Valdemar cobrou que o vice-presidente da Câmara pautasse a anistia, já que estaria responsável pela abertura da sessão na ausência do presidente. A resposta, entretanto, não foi a esperada. Côrtes teria recusado, alegando que a pauta já havia sido definida por Motta antes da viagem e que não poderia desrespeitar a organização previamente estabelecida.
A negativa provocou irritação entre os caciques do PL e levou à segunda tentativa de pressão — desta vez, presencial. O líder do partido na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), procurou pessoalmente Altineu Côrtes para exigir que ele cumprisse a promessa feita publicamente em agosto, quando afirmou que, assim que tivesse a presidência plena da Câmara em mãos, colocaria a anistia em votação. Sóstenes lembrou que Altineu havia se comprometido com a família Bolsonaro. Ainda assim, novamente, o vice declinou.
O episódio gerou incômodo entre os bolsonaristas, sobretudo porque a promessa de Côrtes não foi apenas interna. Em agosto, o deputado declarou a jornalistas: “No primeiro momento em que eu exercer a presidência plena da Câmara, quando Motta se ausentar do país, irei pautar a anistia.” Até agora, porém, a oportunidade não se concretizou — e, quando quase aconteceu, acabou barrada por eventos inesperados.
Nesta semana, por exemplo, o PL chegou a se preparar para colocar o plano em prática mais uma vez. Motta, que viajaria para a Europa e teria agenda com o papa Leão XIV, cancelou a viagem de última hora. A decisão frustrou as expectativas da oposição ao governo, que já aguardava ansiosa o momento em que Côrtes assumiria a cadeira mais importante da Câmara.
Ao mesmo tempo, o ambiente político no Congresso segue desfavorável ao projeto de anistia. A proposta, que prevê um perdão amplo aos presos pelos atos antidemocráticos de 8 de Janeiro — algo visto pelos bolsonaristas como caminho para beneficiar também Jair Bolsonaro, condenado e inelegível — enfrenta resistência crescente entre parlamentares, sobretudo no Centrão. O relator da matéria, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), tem defendido uma alternativa: o chamado “PL da Dosimetria”, que não concede perdão, mas reduz penas e flexibiliza critérios de condenação.
Para Hugo Motta, porém, nem essa alternativa é vista com otimismo. Aliados confiáveis afirmam que o presidente da Câmara considera não haver clima suficiente para discutir a anistia neste momento — muito menos para aprová-la. Em diversas conversas com lideranças partidárias, Motta reiterou que colocar o tema em votação seria “infrutífero”, já que o projeto não teria votos suficientes para avançar.
A prisão definitiva de Jair Bolsonaro, entretanto, elevou a temperatura política e reforçou a pressão sobre Motta. Parlamentares alinhados ao ex-presidente passaram a cobrar abertamente que o deputado paraibano “honre o compromisso” de pautar a anistia, mesmo sabendo da resistência do restante da Casa. Motta, por sua vez, tem buscado manter distância do desgaste, argumentando que não pretende levar a Câmara a uma crise ainda maior na reta final de um ano já considerado turbulento.
Líderes do Centrão compartilham do mesmo temor. Para eles, abrir agora uma discussão desse tamanho significa reacender conflitos, gerar ruídos com o Judiciário e ampliar a tensão entre Congresso e Planalto — algo que ninguém deseja a poucas semanas do encerramento das atividades legislativas.
Por isso, apesar das articulações, pressões, telefonemas e promessas públicas, o destino do projeto de anistia continua incerto. O PL segue tentando encontrar brechas, mas a resistência institucional soma-se ao desgaste político e ao risco de derrota em plenário. Na prática, a oposição pode até tentar insistir na estratégia de esperar pela ausência de Motta — mas, diante do cenário atual, mesmo que a pauta chegue ao plenário, aprová-la pode ser uma tarefa muito mais difícil do que qualquer movimento de bastidor sugere.
Por enquanto, o tema continua congelado — e, ao que tudo indica, tende a permanecer assim até que os ventos políticos mudem de direção dentro da própria Câmara dos Deputados.